Há uma novidade luminosa no mundo do luxo: a francesa Louis Vuitton anunciou o lançamento de uma linha de produtos de beleza para o segundo semestre de 2025. Entre as grandes grifes de moda, faltava apenas a entrada da celebrada marca de malas e bolsas no universo dos cosméticos. Gigantes como Dior, Chanel e Yves Saint Laurent já estão lá. Gucci, Hermès e Valentino recentemente entraram na dança. Balmain e Celine, idem. O anúncio representou estardalhaço por marcar o início de uma nova era dos negócios, ancorada em nomão inescapável, símbolo de status.
O barulho da entrada da Louis Vuitton em nova seara esconde, a rigor, uma necessidade. É uma saída possível para a crise no setor, um modo de fazer dinheiro com alternativas. Em 2024 houve uma queda de 1% a 3% do mercado de luxo na comparação com 2023, em recuo anotado pela primeira vez na história, à exceção do tempo da pandemia. Na ponta do lápis: cerca de 50 milhões de consumidores deixaram de comprar produtos luxuosos. As previsões para os próximos meses são de ainda mais freio, motivadas em boa parte por mudanças comportamentais.
A chamada geração Z, de 20 e poucos anos, não tem atração pelo exclusivo, como sonhavam seus pais e, sobretudo, seus avós. Os humores ambientais, associados ao desprezo pelo exagero, porque o simples é que é chique, também impõem postura mais modesta — e adeus aos valores estratosféricos. Faz sucesso, enfim, um movimento batizado de no buy, cujo sentido é o de não passar o cartão de crédito a qualquer custo.

Há que se considerar também a influência da China, capaz de pôr no mercado peças de qualidade a preços mais convidativos. Ainda que as meninas de 12 ou 13 anos tenham feito do skincare um modismo que não para se crescer no TikTok e congêneres, a brincadeira é colorir os rostos, mas sem esvaziar o bolso. Não é fácil, portanto, permanecer lá na torre de marfim, daí a estratégia de investir em itens mais baratos. “Uma adolescente não pode ter uma bolsa da Louis Vuitton, mas, sim, um batom com uma embalagem linda, adornada com o monograma da grife”, diz a maquiadora Vanessa Rozan. Claro que a “pechincha”, em termos Louis Vuitton, parte de um padrão mais elevado. Estima-se que um batom da marca vá custar o equivalente a 290 reais.
Como não está para brincadeira, e por estar no fim da fila do interessante movimento, a Louis Vuitton desceu com todos os tanques. Contratou Pat McGrath, renomada maquiadora britânica que revolucionou a indústria da beleza com sua visão ousada, dramática e criativa. Ao ser abraçada por John Galliano e Alexander McQueen nos anos 1980, ela se tornou o maior nome da maquiagem mundial, em trabalhos memoráveis — especialmente o surpreendente Verão 2024 da Maison Margiela Artisanal, assinado por Galliano, em que as modelos pareciam bonecas de porcelana.

McGrath foi muito aplaudida, também, pelas colaborações com Naomi Campbell (que elege como musa) e com o fotógrafo Steven Meisel. Sua arte: iluminar as peles por meio de cores intensas e apliques inusitados. Na história do embelezamento dos rostos, a criadora dá as mãos a Tom Ford, o pai da linha de batons Estée Lauder, em 2010. “Foi uma coleção espetacularmente autoral”, diz Rozan. McGrath bebe daquele caminho, e abre uma avenida de expectativas do que virá. São 55 batons — referência ao LV, em números romanos, iniciais da empresa —, dez protetores labiais e oito sombras.
Para além do evidente interesse financeiro, a tábua de salvação, a Louis Vuitton pode representar selo de qualidade que vinha se perdendo, apesar dos nomes no jogo. Nos últimos anos, a indústria foi invadida por inúmeras marcas de blogueiros e influenciadores, atalho para saturação e massificação frágil. Tudo somado, celebra-se, momentaneamente, a jogada da Louis Vuitton, marco incontornável, mas há quem veja nele um passo de desespero: era isso ou a morte. É avaliação um pouco exagerada, mas parece não haver dúvida — o glamour do luxo pelo luxo não tem mais graça. Sempre haverá, enfim, por trás dos cosméticos, camadas de justificativas econômicas para as apostas de grifes de marca. Mas é indelével, como motor da autoestima humana, um comentário irônico e real de Coco Chanel: “A natureza lhe dá o rosto que você tem aos 20 anos. A vida molda o rosto que você tem aos 30. Mas, aos 50, você tem o rosto que merece”. Com o batom Louis Vuitton, aposta a marca, esse retrato pode ficar melhor.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935