Inspirado no positivista Auguste Comte, o lema da bandeira nacional anunciava no berço da República o farol que deveria guiar o país dali em diante, o da criação de um sistema capaz de marchar rumo ao desenvolvimento, tendo como norte a conquista do bem-estar geral. A nação que parecia predestinada a ser o país do futuro, no entanto, ainda não cumpriu seu destino. Nas últimas décadas, perdeu inúmeras oportunidades de pegar carona em condições favoráveis para deixar de ser um país de renda média. Vícios políticos somados a sucessivas apostas econômicas equivocadas nos deixaram longe do ideal Ordem e Progresso, eternizado no pendão. No lugar disso, a pátria parece viver as chagas de tempos de desordem e de retrocesso.
Para quem vê algum exagero e pessimismo nesse tipo de percepção, o início dos trabalhos legislativos ocorrido nesta semana serve de exemplo sobre nossos descaminhos. Conforme mostra reportagem da edição, parte dos congressistas está pintada com as cores de guerra por causa das investigações que envolvem políticos pelo mau uso das célebres emendas parlamentares. É uma apuração mais do que necessária, só que a turma enxerga nesse trabalho as digitais de um conluio entre governo e STF para colocar a PF em seus calcanhares, criando com isso um cabresto de obediência. No clima de uma batalha nada republicana, os expoentes da rebelião ameaçam retaliar em alto estilo, tirando da gaveta propostas como uma CPI do Judiciário, com foco nos altos salários.
No Poder Executivo vive-se a embriaguez do recém-anunciado PIB de 3,4% em 2024. É verdade que foi o segundo maior avanço registrado no país desde 2011. É verdade também que grande parte desse crescimento foi obtida com recursos do governo para estimular o consumo, criando um alicerce que já se provou frágil demais para um crescimento sustentável — e os problemas dessa opção já aparecem de forma nítida no horizonte. No quarto trimestre, a alta foi de apenas 0,2%, o que reforça as expectativas de desempenho menor do PIB em 2025. A freada brusca ocorre em meio a um contexto de taxas de juros elevadas para conter a inflação e de explosão da dívida pública.
Diante desse cenário preocupante, o presidente Lula resolveu pisar mais fundo na direção equivocada, trazendo para o governo a ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann, expoente da chamada ala desenvolvimentista do partido, a mesma que combateu ferozmente Fernando Haddad e o chamado “austericídio fiscal” — o caminho necessário para o país deslanchar. A nova titular da Secretaria de Relações Institucionais fez sinais de paz em seu discurso de posse e de apoio ao ministro da Fazenda, mas as palavras soaram como um mero gesto protocolar.
Uma economia com entraves sérios provoca uma onda de pessimismo, com destaque para o refluxo no apetite de investimentos do setor privado, às voltas também com problemas brasileiros recorrentes, a exemplo das greves em serviços essenciais, como a Receita Federal (até a última quarta, 12, os auditores do órgão haviam completado mais de 100 dias de braços cruzados, gerando um prejuízo ao país de aproximadamente 3,6 bilhões de reais). Por essas e outras, “ordem e progresso”, infelizmente, continua a ser apenas um lema na bandeira nacional.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935