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Estética se tornou ‘problema de saúde pública’, diz presidente do CFM

Não é de hoje que humanos buscam profissionais para dar um up na aparência, mas, historicamente, havia uma constante quando se falava desses procedimentos: quase sempre restritos aos médicos e cirurgiões, eles visavam corrigir imperfeições, aspirando um suposto retorno à normalidade. Mais recentemente, contudo, com o barateamento e o aperfeiçoamento das técnicas, que também passaram a ficar mais seguras, as intervenções estéticas passaram a ser vistas, não apenas como uma ferramenta para corrigir imperfeições, mas também como um meio de aprimoramento da aparência. Mas quais as consequências disso?

Em entrevista a VEJA, José Hiran Gallo, presidente do Conselho Federal de Medicina, comenta os perigos dessa explosão de demanda seguida, também, por um aumento repentino no número de procedimentos e profissionais.

O que está por trás do crescimento no número de profissionais e clínicas de estética nos últimos anos? Esse crescimento decorre de múltiplos fatores, todos relacionados ao surgimento de um grande mercado de produtos, serviços e procedimentos da área estética que movimenta bilhões ao redor do mundo. Acredito que os avanços tecnológicos e científicos desempenham um papel fundamental nesse fenômeno, uma vez que têm se potencializado de forma acelerada. 

Isso é positivo? Esses progressos são acompanhados de promessas de resultados quase imediatos e preços significativamente mais acessíveis em comparação aos de tempos passados. Em consequência, tem ocorrido aumento significativo na demanda por cuidados estéticos, impulsionado, em grande parte, pela exposição constante das pessoas em ambientes digitais. Isso tem transformado esses serviços, produtos e procedimentos estéticos em verdadeiros objetos de desejo. Independentemente de sua efetividade, segurança e até mesmo necessidade, milhões buscam adquiri-los para estar em conexão com a “onda” do momento. 

Também tem crescido o número de profissionais, correto? Diante da possibilidade do lucro, assim como a indústria, há pessoas – não médicos, em sua imensa maioria – que se apresentam como facilitadores do acesso da população a esse mercado. Porém, o problema se estabelece quando esses indivíduos se aventuram a fazer o que não sabem, porque não têm preparo, e não podem, porque não têm autorização legal para tanto. Essa ousadia tem o custo na forma de resultados trágicos, como perda de qualidade de vida, adoecimento e até mortes de pacientes que acreditaram no sonho da beleza a qualquer custo. 

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Uma operação recente da Anvisa evidenciou um número surpreendentemente grande de irregularidades que podem colocar em risco a saúde dos clientes. Por que esses erros são tão disseminados? Essa situação decorre da falta de uma fiscalização contínua e rigorosa desses espaços. É louvável a iniciativa da Anvisa, porém ela só será realmente eficaz se não ficar limitada a uma ação pontual, que revelou a ponta do iceberg que todos nós já sabíamos que existia. 

O que precisa ser feito? É preciso que as Vigilâncias Sanitárias de estados e municípios assumam o compromisso de tornar esse trabalho uma rotina, com aplicação de penalidades aos infratores. Além disso, a Polícia Civil e o Ministério Público, instados pelo Judiciário, precisam agir no combate às irregularidades encontradas no exercício ilegal da medicina. Assim, sem o controle e o monitoramento adequado de produtos, espaços e agentes, surge a tempestade que tem causado tantos danos. Estamos diante de um problema de saúde pública de proporções gigantescas. O que chega até o conhecimento do público por meio do noticiário é uma ínfima fração do que acontece na prática. 

Por que não há mais fiscalização? Existem iniciativas pontuais que têm alcançado êxito. No entanto, em geral, o tema não é visto como prioritário pelos órgãos públicos. Essa mentalidade deve mudar rápido pelo bem dos brasileiros. Pode ser que a ausência de dados concretos, que dimensionem o volume de efeitos adversos e complicações geradas por procedimentos estéticos, desestimulem as estruturas de fiscalização a combaterem esses abusos. 

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Além da Anvisa, quem deveria fazer essa fiscalização? Creio que essa é uma responsabilidade que deve ser compartilhada pela Anvisa, Ministério Público, Polícias Civil e Federal e vigilâncias sanitárias. Se for o caso, dirigentes dos conselhos de representação profissional que estão autorizando esses atos devem ser responsabilizados, e até instituições de outras esferas precisam fazer sua parte. Por exemplo, o Ministério da Educação autoriza cursos de estética que ensinam técnicas como peeling de fenol para pessoas sem formação em medicina. Aliás, mesmo pessoas sem formação em nível superior fazem esses cursos. Não deveria haver um maior controle do MEC e das instituições de ensino para que isso não continuasse a ocorrer? Também temos que ter apoio do Judiciário, que muitas vezes autoriza esses profissionais sem qualificação. 

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Também há o grande mercado clandestino né? A compra de produtos de uso médico pela internet, alguns não autorizados no País ou de risco comprovado, como o PMMA, é uma realidade. Esse mercado movimenta milhões e funciona   abertamente, à vista de todos. Há como coibir isso de forma efetiva? Enfim, diante do exposto fica a dúvida: até que ponto estamos sendo eficazes no combate a essa prática? Embora existam regulamentações, a fiscalização ainda é insuficiente. Isso evidencia a necessidade de uma atuação mais integrada entre órgãos reguladores e polícia, além de uma conscientização mais ampla da população sobre os riscos desse comércio clandestino. 

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Os médicos defendem que procedimentos invasivos só devam ser realizados por médicos, mas parece haver uma falta de consenso sobre o que é procedimento invasivo. O senhor pode esclarecer? Quando pensamos em procedimentos invasivos nos referimos ao ato médico que invade orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos, e as camadas superficiais da pele, com a introdução de instrumentos ou substâncias no corpo através de inserções, incisões ou perfurações. Estendo essa percepção aos procedimentos com potencial de causar efeitos adversos graves. 

Isso engloba os procedimentos não cirurgicos? Por exemplo, o ácido hialurônico aplicado de forma incorreta pode causar necroses e lesões; a inalação do fenol é capaz de matar; aplicações de laser causam queimaduras. Enfim, o conjunto de problemas é vasto. O médico é o profissional qualificado para conduzir esses atendimentos, até porque ele é capaz de interferir em dois momentos decisivos para o paciente. 

Como assim? Antes de sua realização, o médico atua ao fazer o diagnóstico do caso e definir se aquela terapêutica é a mais adequada ou não, filtrando o desejo do paciente, orientando-o sobre os riscos e prevenindo essa exposição desnecessária. Esse compromisso ético não é frequente perceptível em outros segmentos. Depois, após a realização do procedimento, apenas o médico tem condições de identificar os efeitos adversos e intercorrências e agir para reverter esses quadros. Com isso a chance do dano irreversível diminui drasticamente. 

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A Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos defende que a criação do Conselho Federal de Estética e Cosmetologia é essencial para uma melhor regulamentação dessa área. Qual a posição do CFM em relação a isso? Entidades de representação podem fazer suas propostas, mas faço um questionamento: antes de se criar uma instância como um conselho não seria mais adequado estimular que os órgãos de fiscalização, controle e monitoramento atuassem de forma efetiva para coibir os excessos e abusos praticados? A Anvisa, o Ministério Público, as Polícias existem, assim como as leis e regras para fazer com que o sistema funcione bem. Nesse caso específico, nas capitais e grandes cidades, poderiam ser instituídas de delegacia especializadas na apuração de crimes contra a saúde, como os de exercício ilegal da medicina, o que de modo efetivo atenuaria em muito o cenário que temos hoje no país.  No que se refere aos médicos, o Conselho Federal de Medicina tem atuado firmemente, com a elaboração de normas de conduta para que a ação dos nossos profissionais seja realizada com ética e transparência. Em casos pontuais de desrespeito a essas regras, as denúncias são registradas e apuradas com rigor. 

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