“Novo ano, novo eu“ — provavelmente esse foi o lema que mais tentei colocar em prática durante minha adolescência. Pelo que me lembro, as metas de Ano Novo geralmente consistiam em “ler seis livros ao longo do ano”, “não passar tantas horas no videogame” e “ganhar peso”. Fui abençoado com o corpo de um bicho-pau.
No entanto, como ocorre com grande parcela das pessoas que se sentem renovadas pelos ares de esperança trazidos pela virada de ano, falhei miseravelmente. O desgosto que sentia ao perceber que não tinha cumprido uma única meta bastava para adotar uma mentalidade de “tudo ou nada” no ano seguinte. Parecia lógico pensar: “se falhei este ano, no próximo tenho que me esforçar ainda mais”.
E, claro, o ímpeto inicial sumia nos primeiros meses, gerando um ciclo de prometer, desistir e recomeçar.
Felizmente, uma pesquisa conduzida em outubro de 2023 pela Forbes Health, em parceria com o OnePoll (agência internacional especializada em pesquisas de opinião online), revelou que não estou sozinho. Segundo o levantamento, que contou com 1.000 respondentes, dentre as resoluções mais mencionadas para 2024, 48% destacaram que sua maior prioridade era praticar exercícios e 34% desejavam perder peso. Além disso, ao serem questionados sobre a duração de resoluções anteriores, menos de 1 em cada 10 (8%) afirmou que as metas duraram um mês; 22,2% relataram três meses; e apenas 1% conseguiu sustentá-las por 12 meses. Esse elevado índice de desistências recebeu até uma data comemorativa: o “Quitter’s Day” — ou “Dia do Desistente” —, celebrado na segunda sexta-feira de janeiro.
Dentre os principais motivos de desistência destacam-se falta de motivação, objetivos irreais, baixo planejamento e ausência de monitoramento do progresso.
E, não, por mais que essa introdução se assemelhe — e muito — à propaganda de um coach quântico, prometo que não estou tentando vender consultorias para ajudar na manutenção de metas. Na verdade, pretendo discutir um mito em que acreditei por muitos anos e explorar as evidências atuais sobre a construção de hábitos de longo prazo.
O mito dos 21 dias
Para quem não está familiarizado com esse mito, acreditava-se, há alguns anos, que um hábito poderia ser tido como consolidado se fosse praticado por 21 dias consecutivos. A ideia parece ter sido apresentada originalmente pelo cirurgião e escritor Maxwell Maltz, em seu livro “Psycho-Cybernetics: A New Way to Get More Living Out of Life”.
Embora o título pareça sugerir uma obra séria e científica, o livro é, na verdade, uma peça de autoajuda que flerta com a ficção. Maltz apresenta sua visão sobre a “autoimagem”, relacionando-a aos campos da física, anatomia e cibernética – ele acreditava que estudos sobre cibernética poderiam ser aplicados diretamente ao funcionamento do cérebro humano.
Maltz dizia que, para alcançarmos nossos objetivos, bastava mudar a forma como nos enxergamos. Ou, em termos mais modernos, defendia que bastava uma “mudança de mindset” e pensamentos positivos — qualquer semelhança com os discursos de coaches de saúde não é mera coincidência.
Por mais que eu adorasse explorar as demais absurdidades da obra, vou me concentrar aqui apenas na hipótese dos 21 dias para criar um hábito.
Maltz desenvolveu essa hipótese ao observar que pacientes submetidos a cirurgias plásticas no rostos demoravam cerca de 21 dias para se acostumar com a nova aparência. Também notou que esse ciclo de 21 dias aparecia em outros contextos, como casais que se sentiam mais confortáveis em uma nova casa após três semanas, ou pacientes amputados que tinham a síndrome do membro fantasma — uma condição em que têm sensações (dolorosas ou não) no membro amputado — por 21 dias.
A partir dessa análise — bastante questionável, diga-se de passagem —, Maltz imaginou que seria necessário um mínimo de 21 dias (grifo meu, já que ele próprio reconhecia que era um prazo mínimo) para que uma imagem mental antiga se dissolvesse e uma nova tomasse seu lugar.
Como podemos perceber, Maltz não se baseou em ensaios clínicos nem em estudos de coorte, mas sim em sua “observação clínica”, que, além de enviesada, não era fundamentada em evidências robustas. Infelizmente, essa hipótese acabou extrapolada para outras situações, levando à ideia de que a criação de hábitos também estaria condicionada a esse período de 21 dias.
Lastimavelmente, a ideia persiste até hoje, embora com uma pequena modificação: além de afirmar que um hábito leva 21 dias para se formar, adicionou-se a (des)informação de que seriam necessários 90 dias para criar um “estilo de vida”. Apesar de minhas buscas, não consegui encontrar uma fonte confiável que identificasse o criador dessa “versão 2.0”.
Devo reconhecer um ponto positivo na hipótese de Maltz: ela motivou pesquisadores a investigar como, de fato, os hábitos são formados, e qual seria o tempo mínimo necessário para consolidá-los.
Como hábitos se formam?
Para nos ajudar a entender a questão, Wardle, J., e colegas publicaram no British Journal of General Practice (uma revista internacional revisada por pares, voltada para pesquisadores de cuidados primários) um artigo intitulado “Making health habitual: the psychology of ‘habit-formation’ and general practice“. O objetivo do estudo foi revisar a psicologia por trás da formação de hábitos, além de sugerir como os profissionais de saúde poderiam incentivar seus pacientes por meio de conselhos direcionados ao sistema 1, ou sistema rápido, do cérebro – essa nomenclatura foi originalmente cunhada pelos psicólogos Keith Stanovich e Richard West, mas popularizada pelo economista e psicólogo Daniel Kahneman em seu livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”.
De forma resumida, o sistema 1 é responsável por respostas rápidas e automáticas, utilizando pouquíssimo esforço e sem percepção de controle voluntário, enquanto o sistema 2 exige atenção, concentração e, frequentemente, escolha consciente, sendo acionado para atividades mentais mais complexas.
De acordo com os pesquisadores, embora o público utilize o termo “hábito” como sinônimo de comportamento habitual ou frequente, no campo da psicologia ele tem uma definição mais específica: trata-se de uma ação tomada automaticamente, em resposta a pistas contextuais. Por exemplo, colocar o cinto de segurança (ação) ao entrar no carro (pista contextual).
Na prática, diversas pesquisas nessa área mostram que a repetição de uma ação simples em um contexto estável leva, por meio do aprendizado associativo, à ativação automática da ação quando o mesmo contexto é reexperimentado — ou, em outras palavras, à formação de um hábito. Quando isso acontece, observa-se que a dependência de atenção consciente ou de processos motivacionais diminui. Além disso, essa “automação” de ações rotineiras libera recursos mentais para outras tarefas, otimizando o uso da energia cognitiva.
Algumas pesquisas iniciais verificaram que voluntários que desejavam perder peso, ao serem incentivados a iniciar um hábito relacionado à atividade física ou à dieta e repeti-lo consistentemente, demonstraram o desenvolvimento da automaticidade. Ou seja, comportamentos que inicialmente eram difíceis de manter tornaram-se “naturais” e mais fáceis de sustentar.
Com base nesses achados, os autores sugerem que profissionais da área da saúde considerem fornecer orientações baseadas na formação de hábitos.
Para auxiliar na aplicação dessa abordagem, destaca-se o seguinte passo a passo:
- Fase de iniciação: marca o início da tentativa de formação de um hábito, quando o comportamento e o contexto no qual será praticado são definidos. É crucial que o indivíduo esteja motivado e escolha uma meta que realmente deseje alcançar, e não algo imposto por expectativas externas. Além disso, a escolha de um contexto adequado, como um evento diário (“quando eu terminar de tomar café”) ou horário específico, é fundamental para estabelecer a associação entre o comportamento e o estímulo.
- Fase de aprendizagem: após a iniciação, a fase de aprendizagem envolve a repetição constante do comportamento no contexto escolhido, o que fortalece a ligação entre o estímulo e a ação, conduzindo ao desenvolvimento da automaticidade. A persistência é essencial, pois a repetição consistente é o que transforma o comportamento em hábito. Isso vai contra a ideia comum de variar os comportamentos para manter o interesse, já que a variação é mais desgastante e dificulta a formação de hábitos automáticos.
- Fase de estabilidade: quando a automaticidade é alcançada, o hábito entra na fase de estabilidade, em que ele está consolidado, atingiu um platô e continua a ser executado com um mínimo de esforço.
Além disso, recomenda-se que, no início, os pacientes sejam encorajados a buscar mudanças comportamentais pequenas e gerenciáveis, uma vez que falhas podem ser desmotivadoras. Por exemplo, uma pessoa sedentária poderia ser orientada a caminhar alguns pontos a mais antes de pegar o ônibus, em vez de tentar caminhar o percurso inteiro logo de início.
A formação de hábitos também foi investigada no artigo “Promoting habit formation“, de autoria dos psicólogos Phillippa Lally e Benjamin Gardner. As conclusões dos autores convergem com o trabalho de Wardle, mas diferem em um ponto: eles destacam que a formação de hábitos exige a progressão por quatro estágios antes de alcançar a automatização. As principais diferenças estão no segundo e no quarto estágio.
No segundo estágio, denominado agir, muitas pessoas enfrentam o fenômeno conhecido como lacuna entre intenção e comportamento (“intention-behavior gap”), que reflete a discrepância entre o que se planeja e o que realmente se executa. Essa lacuna é frequentemente resolvida por estratégias de autorregulação, como o planejamento.
Já no quarto estágio, os autores afirmam que o novo comportamento deve ser repetido de forma consistente para favorecer o desenvolvimento da automaticidade. Para isso, fatores como recompensas devem ser levados em consideração. Recompensas intrínsecas, como prazer e satisfação, costumam favorecer o processo, enquanto recompensas extrínsecas, como incentivos financeiros, apresentam resultados inconsistentes. Algumas pesquisas indicam que recompensas extrínsecas podem prejudicar a formação do hábito, embora possam ser úteis desde que não se tornem o objetivo final.
Além disso, apesar de a repetição contínua facilitar o processo, estudos recentes mostram que falhas ocasionais têm impacto mínimo. Comportamentos complexos, embora exijam maior controle deliberativo, também podem se tornar automáticos com repetição em condições estáveis, embora de forma mais lenta do que ações simples.
É importante ressaltar que, para o sucesso na criação de um novo hábito saudável, muitas vezes é necessário substituir ou eliminar um hábito indesejado. Isso pode ser feito evitando gatilhos associados ao comportamento antigo ou, quando isso não for viável, por meio de estratégias como o monitoramento vigilante, que ajuda a identificar e controlar gatilhos, e intenções de implementação, que vinculam os novos comportamentos a estímulos específicos.
Em outras palavras, criar e manter um hábito não se resume à força de vontade, mas exige estratégias que simplifiquem sua execução, permitindo que ele se integre à rotina de forma automática.
Quantos dias?
Uma das primeiras pesquisas sérias sobre o assunto foi publicada em 2010 por Lally — a mesma citada anteriormente — e seus colegas, no artigo “How are habits formed: Modelling habit formation in the real world“. Nessa pesquisa, os autores investigaram o desenvolvimento da automaticidade em voluntários.
Para isso, recrutaram 96 estudantes universitários, que deveriam escolher um comportamento relacionado à alimentação saudável, consumo de bebidas ou exercício físico, com o objetivo de transformá-lo em hábito. O comportamento escolhido precisava atender aos seguintes critérios: (1) não poderia ser algo já praticado; (2) deveria ser possível realizá-lo em resposta a um evento diário perceptível (estímulo); e (3) deveria estar associado a um estímulo que ocorresse todos os dias, mas apenas uma vez por dia. Optou-se por usar situações em vez de horários como estímulos, já que pesquisas indicam que situações permitem associações externas mais eficazes, enquanto horários exigem monitoramento constante.
Entre os comportamentos escolhidos estavam “comer uma fruta no almoço”, “correr por 15 minutos antes do jantar” e “beber uma garrafa de água no almoço”. Os participantes foram instruídos a tentar realizar o comportamento diariamente durante 84 dias. Eles acessaram o site do estudo para relatar se haviam realizado o comportamento no dia anterior e preenchiam uma versão modificada do Índice de Autorrelato do Hábito (IAH), uma ferramenta composta por 12 questões que mede a força do hábito com base em características principais: histórico de repetição, expressão de identidade e automaticidade. A versão modificada consistia em sete questões, focadas apenas na automaticidade.
Caso perdessem um relatório diário, era permitido registrar retroativamente os comportamentos realizados nos últimos três dias, mas o preenchimento do IAH só podia ser feito no dia atual. Para verificar se a repetição do comportamento resultava em aumentos de automaticidade, os escores do IAH foram utilizados como medidas de desfecho. A subescala de automaticidade gerava pontuações entre 0 e 42. Além disso, calculou-se o tempo necessário para que os escores atingissem um platô, indicando a estabilização da automaticidade.
A amostra final foi composta por 82 participantes, após 14 abandonarem o estudo antes do dia 60. Esses participantes acessaram o sistema, em média, 47 vezes ao longo dos 84 dias. Contudo, ao considerar os registros retroativos, obteve-se uma média de 76 dias com dados disponíveis. Dos 82, apenas 39 apresentaram adesão suficiente para serem considerados “adequados” no modelo utilizado.
A partir desses resultados, verificou-se que 10 participantes estavam conduzindo hábitos relacionados à alimentação, 15 ao consumo de bebidas e 13 a exercícios físicos. O tempo médio necessário para atingir o platô da automaticidade foi de 66 dias, com variações substanciais entre os indivíduos (de 18 a 254 dias).
Observou-se ainda que os tempos medianos foram de 65 dias para comportamentos alimentares, 59 dias para comportamentos relacionados à bebida e 91 dias para exercícios físicos. Mas essas diferenças não foram estatisticamente significativas.
Em relação à adesão, verificou-se uma diferença significativa. O grupo de bebidas apresentou maior adesão (93%) em comparação aos grupos de comportamento alimentar (80%) e de exercício físico (86%).
Por fim, avaliou-se se a não realização de um único dia do hábito impactava o desenvolvimento da automaticidade. Constatou-se que essa ocorrência resultava em uma diminuição muito pequena na automaticidade, mas não comprometia o progresso a longo prazo, uma vez que a automaticidade tendia a se recuperar após a retomada do comportamento.
Com base nesses achados, destaca-se que, para a maioria dos participantes, a automaticidade aumentou de forma constante ao longo dos dias do estudo, apoiando a suposição de que a repetição de um comportamento em um contexto consistente aumenta a automaticidade. Além disso, como não foram oferecidas recompensas extrínsecas, sugere-se que essas não são necessárias, embora, como os comportamentos foram selecionados pelos participantes, eles provavelmente eram intrinsecamente recompensadores.
Ainda, pontua-se que as repetições iniciais resultam em maiores aumentos na automaticidade do que aquelas realizadas em estágios posteriores do processo. Além disso, há um ponto a partir do qual o comportamento não pode mais se tornar mais automático, mesmo com repetições adicionais.
É interessante notar que, mesmo neste estudo, em que os participantes estavam motivados para criar hábitos, aproximadamente metade não realizou o comportamento de forma consistente o bastante para atingir o status de hábito.
Constatou-se que o grupo de exercícios levou uma vez e meia mais tempo para atingir a automaticidade do que os outros dois grupos, sugerindo que esse hábito é mais complexo e apoiando a proposta de que a complexidade do comportamento impacta o desenvolvimento da automaticidade.
Finalmente, conclui-se que, como a variação dos tempos para atingir o platô pode exigir um grande número de repetições para alcançar o nível máximo de automaticidade para alguns comportamentos, será necessário que os indivíduos tenham autocontrole suficiente, por um período significativo, até que o comportamento atinja a automaticidade.
A pesquisa apresenta inúmeras limitações. O tamanho da amostra foi relativamente pequeno. Além disso, o IAH é uma medida de autorrelato, o que abre espaço para vieses. Indo ao encontro desses dados, foi recentemente publicada uma revisão sistemática com metanálise intitulada “Time to Form a Habit: A Systematic Review and Meta-Analysis of Health Behaviour Habit Formation and Its Determinants”, que teve o objetivo de investigar o tempo necessário para o desenvolvimento de hábitos saudáveis, bem como examinar os fatores que impactam o sucesso na formação desses hábitos, como fatores ambientais e características dos participantes.
De um total de 3.448 artigos encontrados sobre o tema, 16 foram elegíveis, com quatro estudos adicionais identificados por rastreamento de citações No total, 2.601 participantes foram incluídos. Os estudos tinham amostras que iam de 20 a 537 pessoas.
Os hábitos mais comuns abordados foram: atividade física (8 estudos), alterações dietéticas (8 estudos) e uso de fio dental (3 estudos).
O tempo necessário para a formação de hábitos variou entre 59 e 154 dias, com grande variabilidade individual.
Já para alcançar a automaticidade, o tempo variou entre os estudos, com alguns indicando que o processo atinge um platô após ganhos rápidos, enquanto outros mostraram um fortalecimento contínuo do hábito ao longo de mais de um mês. Isso sugere uma interação complexa entre os fatores psicológicos, comportamentais e contextuais.
Finalmente, conclui-se que hábitos relacionados à saúde geralmente levam de 2 a 5 meses para se desenvolver, com grande variabilidade individual, variando de 4 a 335 dias. Esses achados reforçam a importância de intervenções de longo prazo e de apoio contínuo da parte dos profissionais de saúde para garantir mudanças comportamentais duradouras.
A maioria dos estudos avaliados apresentou alto risco de viés e, consequentemente, foram considerados de baixa qualidade (11 estudos). Além disso, verificou-se uma alta heterogeneidade entre os estudos, principalmente em termos de design, comportamentos-alvo, métodos de intervenção, medidas de desfecho e períodos de avaliação.
Tentando enxergar o copo meio cheio, é interessante observar que, de acordo com a tendência geral encontrada nos diversos estudos, não basta apenas querer iniciar um hábito e ter força de vontade. Atingir a automaticidade leva tempo, consistência, repetição e, dependendo do tipo de hábito, podem ser necessárias estratégias de apoio.
Como o tempo pode variar de 4 a 335 dias, tenho certeza de que, em 2026, já estarei tocando violino como Eddie Berg, vocalista e compositor da banda Imminence. Mas, caso isso não ocorra, ainda devo comemorar o fato de que aprendi a tocar, ao menos, algumas músicas.
*Mauro Proença é nutricionista