Com os conflitos suspensos em janeiro graças ao acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, os palestinos da Faixa de Gaza iniciaram o retorno às suas casas nas últimas semanas.
Mas, à medida que os habitantes chegam aos vilarejos, descortina-se a dimensão da devastação ecológica causada pelos 15 meses de guerra.
Os dois milhões de habitantes do estreito enclave árabe enfrentam danos ambientais gravíssimos e possivelmente irreversíveis.
A ocupação interrompeu o abastecimento de água e desativou estações de tratamento de esgoto, resultando no despejo de efluentes brutos sobre a terra, contaminando o Mar Mediterrâneo e os aquíferos subterrâneos essenciais para a irrigação das plantações.
Mais de dois terços das terras agrícolas de Gaza, incluindo poços e estufas, foram danificadas ou destruídas por bombardeios e terraplenagens militares.
Imagens de satélite captadas desde o início do cessar-fogo, em 19 de janeiro, revelam que Gaza perdeu 80% de suas árvores.
Além disso, pântanos vitais, dunas de areia, águas costeiras e o único rio significativo da região, o Wadi Gaza, foram severamente afetados.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alerta que a destruição da vegetação comprometeu gravemente os solos outrora férteis e biodiversos, colocando Gaza em risco de desertificação a longo prazo.
O cientista Ahmed Hilles, chefe do Instituto Nacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, um dos principais grupos de pesquisa palestinos, pediu na semana passada a criação de um comitê internacional de investigação “para avaliar os danos e estabelecer as bases para a restauração ambiental e a recuperação a longo prazo”.
Segundo ele, a prioridade deve ser a reabilitação das fontes de água, a recuperação do solo e a restauração das terras agrícolas.
O território palestino de Gaza se estende por 38 quilômetros ao longo da costa do Mediterrâneo oriental. Embora pequeno, abriga uma rica biodiversidade, servindo de ponto de encontro para a vida selvagem da Europa, do Oriente Médio e da África.
Pesquisas conduzidas ao longo das últimas duas décadas pelo principal especialista em fauna e flora do território, Abdel Fattah Abd Rabou, da Universidade Islâmica de Gaza, indicam que a região já abrigou mais de 250 espécies de pássaros e 100 espécies de mamíferos, incluindo gatos selvagens, lobos, mangustos e ratos-toupeira.
Tanto a fauna quanto a população humana dependem das abundantes reservas subterrâneas de água. Esses aquíferos, protegidos por solos férteis, foram um fator crucial para que tantos palestinos fugissem para Gaza após serem expulsos de suas casas por milícias na esteira da criação do Estado de Israel em 1948.
Mas a população de Gaza aumentou para mais de 2 milhões de habitantes, tornando-a um dos lugares mais densamente povoados da Terra.
Isso colocou uma pressão imensa sobre a água subterrânea. A extração antes da guerra era mais de três vezes maior do que a recarga proveniente das chuvas e da infiltração do rio Wadi Gaza, que havia diminuído devido às barragens feitas em Israel.
À medida que os lençóis freáticos secam, a água salgada do mar se infiltra no aquífero.
Em 2023, mais de 97% da água subterrânea de Gaza, antes doce, não era mais potável, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Cada vez mais, a água de poço tem sido restrita à irrigação de plantações. O abastecimento público de água vem em grande parte de usinas de dessalinização de água do mar construídas com ajuda internacional, complementadas pela água fornecida por Israel por meio de três oleodutos transfronteiriços.
Mas desde o início da guerra em 7 de outubro de 2023, os suprimentos diminuíram drasticamente.
Em outubro passado, a Autoridade Palestina de Águas relatou que 85% das instalações estavam pelo menos parcialmente fora de serviço.
A produção dos poços de abastecimento de água caiu em mais da metade, e as usinas de dessalinização ficaram sem energia, enquanto Israel reduziu o fornecimento pelos oleodutos.
Uma pesquisa descobriu que apenas 14% das famílias ainda dependem de suprimentos públicos. A maioria estava retirando água de poços abertos potencialmente contaminados ou de caminhões-tanque privados não regulamentados.
Em setembro, Pedro Arrojo-Agudo, relator especial da ONU sobre direitos humanos à água potável e saneamento, acusou Israel de limitar o acesso à água limpa.
Durante todo o período do conflito, o esgoto bruto vem sendo despejado na terra, em cursos d’água e no Mediterrâneo — até 3,5 bilhões de litros por dia, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
O solo poroso de Gaza facilita a infiltração desses resíduos nas reservas subterrâneas de água.
“A crise ameaça causar danos ambientais de longo prazo, à medida que os contaminantes se espalham pelos aquíferos”, alerta o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O ambiente marinho também sofre os impactos da poluição.
Em 2022, o ambientalista israelense Gidon Bromberg, diretor da EcoPeace Middle East, persuadiu as autoridades de segurança israelenses a permitirem a importação de cimento para a construção de três estações de tratamento de esgoto ao longo da costa de Gaza.
A obra foi concluída, e no verão seguinte, tanto palestinos quanto israelenses puderam, pela primeira vez em anos, nadar em suas respectivas praias do Mediterrâneo sem risco de contaminação.
Os peixes retornaram e, pela primeira vez, uma foca-monge do Mediterrâneo foi registrada em Gaza. No entanto, no início de 2024, poucos meses após o início da guerra, todas as usinas estavam inoperantes, e imagens de satélite revelaram canais de esgoto sendo despejados novamente no mar.
A destruição da infraestrutura em Gaza também representa uma ameaça ao meio ambiente natural.
Agências da ONU estimam que a guerra tenha gerado mais de 40 milhões de toneladas de escombros, contendo restos humanos, amianto, materiais tóxicos e munições não detonadas.
Enquanto isso, o colapso dos serviços de coleta de lixo levou à proliferação de lixões improvisados — 141, segundo um levantamento do PNUD em outubro — e à queima indiscriminada de resíduos, espalhando fumaça preta e poluentes perigosos sobre áreas densamente povoadas.