Em 2022, enquanto escrevia e acompanhava no ar a exibição de Cara e Coragem, sua segunda novela a ocupar a faixa das 7 na Globo, a autora Claudia Souto sofreu uma série de perdas. Em plena pandemia de covid, a escritora carioca precisou se despedir da mãe, quatro tios, uma prima, amigos, além do psiquiatra com quem se consultava — todos mortos em decorrência da doença ou de complicações causadas por ela em menos de um ano. Em razão do momento difícil que Claudia enfrentava em sua vida pessoal, a novela protagonizada por Paolla Oliveira, Marcelo Serrado e Taís Araujo se perdeu no próprio enredo misterioso e acabou com baixa audiência e repercussão fraca nas redes sociais. “A trama herdou uma coisa sombria que eu estava vivendo na época”, reconheceu a autora em entrevista a VEJA. Com o fim do folhetim, em janeiro de 2023, ela enfim pôde viver o luto como precisava: chegou ao fundo do poço emocional e só foi resgatada de uma virtual depressão com a indicação de Cara e Coragem ao Emmy Internacional de melhor telenovela — ou seja, a produção que foi um fracasso de público acabou sendo reconhecida pela crítica. “Era como se o universo dissesse que ia ficar tudo bem; foi um abraço da vida me dizendo para seguir em frente”, relembra.
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Claudia, hoje aos 58 anos, não levou o Emmy, vencido pela turca Yargi: Segredos de Família, mas recebeu o impulso necessário para se reerguer com uma novela alto-astral de verdade, com histórias envolventes e dignas do horário das 7. Assim nasceu Volta por Cima, atual novela da Globo nessa faixa — que fala nas entrelinhas, por meio de seus personagens, das provas de superação que a autora enfrentou. Junto de Garota do Momento, novela das 6, de Alessandra Poggi, que também colhe elogios e boa repercussão com seu romance de época açucarado, protagonizado pelos jovens Duda Santos e Pedro Novaes, a inspirada Volta por Cima vai — ainda bem — na contramão de Mania de Você, que vem acumulando reveses no horário das 9 com seu enredo insosso. Em contraste, Volta por Cima prova que o melodrama está vivo e pode ser relevante, sim — para alívio da Globo.
Claudia, curiosamente, começou sua carreira como roteirista do programa Casseta & Planeta, Urgente!, escrevendo piadas e esquetes na década de 1990. Depois de passar por outros humorísticos da emissora, virou colaboradora — e pupila — de Walcyr Carrasco em três novelas: Sete Pecados (2007), Caras e Bocas (2009) e Morde & Assopra (2011). Depois, trabalhou em Alto Astral (2014), de Daniel Ortiz, antes de ganhar a chance de voar solo com Pega Pega (2017). A trama das 7 foi um êxito. “Eu não precisei ensinar a Claudia a fazer novelas porque ela já sabia. Ela me trouxe grandes ideias e é capaz de um entrosamento total”, elogia Carrasco.
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O talento fica explícito em Volta por Cima. Protagonizada por Jéssica Ellen, a trama segue a jornada de Madá, uma jovem batalhadora que perde o chão quando seu pai, Lindomar (MV Bill), morre no último dia de trabalho como motorista de ônibus antes da tão sonhada aposentadoria, após sofrer um infarto. O retrato do chefe de família é inspirado no pai da autora, que também morreu cedo, quando ela tinha apenas 19 anos, e era um de seus maiores incentivadores. Além do luto, a novela também trata de outros temas contemporâneos, como o fenômeno dos idols do k-pop e dos k-dramas, os bicheiros do Rio de Janeiro que fazem o Carnaval e o uso desenfreado de anabolizantes por jovens na era fitness. Até os ricos falidos da alta sociedade carioca não escapam da verve irônica e ligeira da autora, que entrelaça seus núcleos de forma tão amarrada e bem-humorada quanto se espera de uma velha e boa trama do horário das 7.
Com média de 19,3 pontos de ibope na Grande São Paulo, Volta por Cima é tão bem avaliada internamente na Globo que foi esticada em mais uma semana, até 23 de abril. Para além dos índices, seu trunfo está na boa repercussão nas redes sociais — detalhe que faz toda a diferença na avaliação de um folhetim hoje. As cenas da espevitada Roxelle (Isadora Cruz) e do espalhafatoso Gigi (Rodrigo Fagundes) viralizam na internet. Claudia se vale de expedientes clássicos dos folhetins, como o vilão caricato Osmar (Milhem Cortaz), malandro que se enrola nas próprias escolhas. Ou ainda o romance ao estilo black joy da mocinha Madá e Jão (Fabrício Boliveira), que começam se odiando, mas acabam se apaixonando e terão de enfrentar vários obstáculos até seu esperado final feliz, com muita torcida do público — afinal, todo mundo gosta de uma boa novela com superação.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930