Não está satisfeito com seu trabalho de espionagem? É só aderir ao programa de demissão voluntária apresentado aos funcionários da CIA. Exatamente, a histórica agência de inteligência foi incluída no duplo ataque, comandado por Elon Musk e sancionado por Donald Trump, para enxugar instituições públicas.
Obviamente inspirados pelo programa de cortes de Javier Milei, Trump e Musk, uma das mais estranhas duplas da história mundial da política, querem reduzir o déficit público e aumentar a eficiência dos organismos estatais. Isso aconteceria, por exemplo, na concepção do presidente, se o sistema público de ensino fosse entregue aos governos estaduais.
São ideias de tirar o fôlego e aplicadas com grande estrondo, ao contrário do estilo discreto do inspirador argentino dos cortes, Federico Sturzenegger, o principal assessor de Milei para o departamento de eliminar regulações insanas (ele sempre cita o caso das normais para a corrida de pombos0.
O corte que está provocando mais reações no momento é o feito na Usaid, a agência de ajuda ao desenvolvimento criada por John Kennedy para dar assistência a países pobres – e, obviamente, atrair simpatias para o sistema americano, então em disputa com o comunismo à la soviética.
ÓPERA TRANSGÊNERO
Gradativamente, a agência foi ganhando vida própria e, numa enorme ironia, se aproximando de causas progressistas. Hoje, são principalmente líderes de direita que se sentem incomodados pelos americanos da Usaid, em aliança com grupos de oposição.
“Que diria o governos dos Estados Unidos se nós financiássemos sua oposição política? Porque isso é o que essas ONGs fazem e todo mundo sabe”, já disse o popular e polêmico Nayib Bukele. Agora com um governo americano muito mais alinhado com ele ideologicamente, o presidente de El Salvador ofereceu até vagas no seu programa prisional para imigrantes ilegais que os Estados Unidos não tenham para onde deportar. E para cidadãos americanos também, em troca de um módico pagamento. Dá para imaginar a quantidade e o tamanho dos processos?
O alcance da Usaid, foi mencionado por Michael Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado durante o primeiro governo Trump, numa declaração sem comprovações. “Bolsonaro ainda seria presidente do Brasil” se não fosse a Usaid, afirmou ele. Benz atribuiu à agência americana “uma guerra santa de censura” contra o populismo ascendente em múltiplos países.
Dá para provar? Não apareceu nada. O que apareceu, dito pela jovem secretária de Imprensa de Trump, Karoline Leavitt, de uso de verbas da Usaid em projetos altamente discutíveis: “Um milhão em meio para promover a diversidade em locais de trabalho na Sérvia, 47 mil dólares para uma ópera transgênero na Colômbia, 32 mil dólares para uma história em quadrinhos transgênero no Peru”, disse ela num vídeo que viralizou. “Como contribuinte americana, não quero ver meus dólares indo para essa porcaria”.
Outro gasto inacreditável: oito milhões de dólares da Usaid para subsidiar assinaturas do site Politico. Adivinhem se o site é pró-democrata e completamente contra Trump.
“GENTE QUE NOS ODEIA”
O fluxo vai parar com a intervenção radical de Musk e seu Departamento de Eficiência governamental. A partir de sexta-feira, todos os contratados locais pela Usaid em escala global entrarão em licença obrigatória. Os funcionários americanos que não forem essenciais, voltarão para os Estados Unidos.
É uma verdadeira revolução – para o mal, acreditam os progressistas que foram protestar em frente a Usaid.
Um memorando interno da agência, vazado agora, diz que a Usaid não checava adequadamente a transferência de verbas para organizações fraudulentas e até terroristas, inclusive simpatizantes da Al Qaeda na Síria. “Estávamos dando força a gente que nos odeia e quer nos fazer mal”, disse o deputado republicano Eric Burlison.
O papel de agências de ajuda, nacionais e internacionais, tem sido cada vez mais discutido à medidas em que estes organismos passaram a tomar partido em questões políticas ou até abrigar militantes armados, como é o caso da UWRA, criada para dar assistência a refugiados palestinos e amplamente manipulada pelo Hamas.
Outro caso que causou disputas é o da Organização Mundial de Saúde, acusada de atender a interesses da China durante a pandemia e não de ser um agente neutro a serviço da população mundial.
SINAL TROCADO
Num sinal da sincronia que está cultivando com o governo Trump, Javier Milei disse que a Argentina está saindo da OMS – não é difícil imaginar que foi criticado em múltiplas frentes do espectro político. A decisão de Milei tem pouco efeito: a OMS não financia programas na Argentina. Nem, obviamente, nos Estados Unidos. Ao contrário, são verbas americanas que sustentam uma boa parte das operações da organização mundial.
Organizações internacionais que deveriam ser agentes do bem têm atitudes parciais ou até politizadas? É triste e prejudicial para todos os países. Romper com essas organizações pode refletir a mesma politização, com sinal trocado.
Vigiar e controlar agências públicas também é obrigação de todos os governos. Trump e Musk estão fazendo isso de maneira espetaculosa. Pode ser que dê certo e que os abusos das burocracias que se tornam um fim em si mesmas sejam controlados.
Ou que dê errado, como a maluquice que Trump inventou como solução para Gaza, para ser reconstruída sob controle dos Estados Unidos, e que foi soterrada em 24 horas.