O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a insistir nesta quarta-feira, 5, que “todo mundo ama” sua proposta para o futuro da Faixa de Gaza, um dia após declarar, ao lado do premiê israelense, Bejamin Netanyahu, que seu governo irá assumir o controle do enclave e que os palestinos deveriam se mudar para outros países. Seu anúncio chocante provocou uma onda de condenação global, com as Nações Unidas afirmando que o plano se trata de “limpeza étnica”.
Durante a posse de sua nova procuradora-geral, Pam Bondi, Trump foi questionado por repórteres no Salão Oval sobre a proposta. “Todo mundo ama”, ele respondeu, recusando-se a responder mais perguntas.
Na terça-feira 4, durante entrevista coletiva ao lado de Netanyahu, o chefe da Casa Branca já havia afirmado que “todo mundo com quem falei ama a ideia dos Estados Unidos serem donos daquele pedaço de terra”, em referência à Faixa de Gaza. A proposta, que segundo o republicano poderia criar uma “Riviera do Oriente Médio”, porém, foi rapidamente condenada pela comunidade internacional.
“Limpeza étnica”
Em uma dura declaração, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse que o projeto equivaleria a uma “limpeza étnica” e colocaria em risco de “tornar impossível um Estado palestino para sempre”. As propostas de Trump, se realizadas, envolveriam uma população de mais de dois milhões de pessoas.
O representante palestino na ONU, Riyad Mansour, disse que líderes mundiais devem respeitar o desejo dos palestinos de permanecer em Gaza.
“Nossa pátria é nossa pátria, se parte dela for destruída, a Faixa de Gaza, o povo palestino escolheu retornar a ela”, disse ele. “Acredito que os líderes e o povo devem respeitar os desejos dos palestinos”.
A proposta de Trump é a transformação mais radical da posição de Washington sobre o território desde a criação do Estado de Israel, em 1948, e a guerra de 1967, que viu o início da ocupação militar israelense de terras, incluindo Gaza, Cisjordânia e Colinas de Golã. Segundo a lei internacional, tentativas de transferência forçada de populações são estritamente proibidas, e os palestinos, assim como as nações árabes, verão isso como uma proposta clara de expulsão e limpeza étnica dos palestinos de suas terras.
Reações internacionais
Países como França, Espanha, Reino Unido e Rússia se posicionaram contra a medida e condenaram qualquer avanço em direção à retirada de palestinos de suas terras. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, alertou que irá se opor à “transferência forçada” de palestinos, dizendo defender um governo formado por palestinos para governar para os palestinos como “princípio básico da governança de Gaza no pós-guerra”.
A Arábia Saudita, potência regional com quem Trump tenta fortalecer os laços com Israel, afirmou que não irá normalizar relações com Tel Aviv sem a criação de um Estado palestino e rejeitou qualquer tentativa de deslocar os palestinos de suas terras.
“A Arábia Saudita também reitera sua rejeição inequívoca, anunciada anteriormente, de qualquer violação dos direitos legítimos do povo palestino, seja por meio de políticas de assentamento israelenses, da anexação de terras palestinas ou de tentativas de deslocar o povo palestino de suas terras”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Riad.
Momento delicado
A proposta de Trump, que ecoa os desejos da extrema-direita israelense a favor do deslocamento em massa de palestinos, se dá em meio a um momento importante do frágil cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Na terça-feira, um porta-voz do grupo palestino afirmou que negociações sobre a segunda fase do acordo de cessar-fogo em Gaza começaram.
O cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou em vigor em 19 de janeiro, inaugurando a primeira pausa no conflito em mais de 15 meses, sob a previsão de três etapas. Apesar da intensa mediação de países parceiros, a complexidade e a fragilidade do acordo são altas, o que significa que qualquer pequeno incidente pode crescer e ameaçar acabar com o pacto.
Sob a primeira fase do acordo, com previsão de duração de 42 dias, o Hamas concordou em libertar 33 reféns, entre eles crianças, mulheres — incluindo militares — e pessoas com mais de 50 anos. Em troca, Israel libertaria 50 prisioneiros palestinos para cada mulher das Forças Armadas de seu país, e 30 para os demais reféns.
Na segunda fase, o objetivo é que um cessar-fogo permanente seja alcançado, os reféns vivos que ainda estão em Gaza sejam trocados por palestinos presos por Israel e forças israelenses façam uma retirada completa da área.
Já na fase final, o acordo prevê o retorno dos corpos dos reféns mortos e a reconstrução de Gaza, que deve demorar anos.
Apenas escombros
Bombardeios israelenses constantes, que começaram assim que o Hamas invadiu comunidades no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, arrasaram quase por completo o enclave palestino. Estimativas das NaçõesUnidas apontam que 69% das estruturas em Gaza foram danificadas ou destruídas, incluindo mais de 245 mil residências.
O Banco Mundial calculou que os prejuízos ultrapassam os 18,5 bilhões de dólares (cerca de 111 bilhões de reais) — quase a produção econômica da Cisjordânia e de Gaza juntas em 2022 — apenas nos primeiros quatro meses da guerra.
De acordo com avaliações das Nações Unidas, serão necessários dezenas de anos para reconstruir as casas destruídas em Gaza. Só a remoção das mais de 50 milhões de toneladas de escombros pode levar 14 anos e custar 1,2 bilhões de dólares (cerca de 7,2 bilhões de reais). O processo é agravado ainda pela presença de munições não detonadas e outros materiais nocivos sob os destroços, além de restos mortais das vítimas de bombas.