Em entrevista de quase uma hora de duração para o canal CNN da Espanha, a atriz espanhola Karla Sofía Gascón, protagonista do filme Emilia Pérez, destrinchou a crise pela qual passa desde que vieram à tona publicações preconceituosas feitas por ela no X (antigo Twitter) em plena campanha pelo Oscar. Emocionada e até exaltada em diversos momentos, Karla fez um mea culpa que, apesar de parecer honesto em muitos momentos, deixou também lacunas sem resposta adequada — postura que pode piorar sua situação. Confira a seguir alguns pontos de destaque:
Perdão pela metade
A atriz começa a entrevista dizendo: “minhas mais sinceras desculpas a todas as pessoas que podem ter se sentido ofendidas pela forma como me expressei em meu passado, meu presente e meu futuro”. Ao dizer “a quem possa ter se ofendido” ao invés de “aos que eu ofendi”, ela tira o corpo fora das acusações e faz um perdão pela metade. A frase não passou despercebida pelos espectadores, que pontuaram esse detalhe nos comentários do vídeo no YouTube.
Ironias sobre George Floyd e Hitler
Entre os tuítes mais chocantes publicados por ela estão dois específicos, um sobre George Floyd, homem negro assassinado pela polícia americana, que se tornou símbolo do movimento Black Lives Matter, e o outro sobre ninguém menos que Adolf Hitler, genocida líder do nazismo alemão. No primeiro caso, ela disse que “poucas pessoas se importavam com George Floyd, um viciado em drogas e traficante”, mas que sua morte serviu para destacar que existem “aqueles que ainda enxergam os negros como macacos sem direitos” e “aqueles que consideram a polícia assassina”. “Todos errados”, arrematou. Sobre Hitler, ela reproduziu falas preconceituosas, que “os negros são escravos e as mulheres da cozinha”. “Mas é minha opinião e devem respeitá-la. Não entendo tanta guerra mundial contra o Hitler, ele simplesmente tinha sua opinião sobre os judeus. E assim o mundo segue.” Sobre ambos os casos, Karla Sofía afirmou que usou de ironia, como se escrevesse na terceira pessoa, ou seja, não como ela, mas como alguém de péssimas opiniões. A explicação até faz sentido. Mas o tom de ironia é tão vago e com temas tão delicados que fica difícil defendê-la.
Eu até tenho um amigo…
Entre os comentários mais polêmicos saltam os quais ela critica a presença árabe e muçulmana na Europa, com forte tom islamofóbico. Karla ressaltou algumas vezes durante a entrevista que tem uma mulher em sua vida, a quem ela ama muito, que é muçulmana e que vem lhe ensinando muito sobre o assunto — um recurso válido, mas complicado, que remete à velha frase “não sou racista, até tenho amigos negros”. Com dificuldade de se explicar, Karla disse que a intenção de seus tuítes era criticar o extremismo e o terrorismo, e não todas as pessoas árabes.
Interação com Selena Gomez e Zoe Saldaña
Sobre as colegas de elenco de Emilia Pérez, Karla disse que é falso o tuíte que passou a circular na internet, no qual ela fala mal de Selena. A atriz afirmou que logo mandou uma mensagem para Selena, que lhe respondeu prontamente, dizendo que acreditava nela e que estava ao seu lado 200%. Karla também entrou em contato com Zoe para se explicar — e, segundo a espanhola, a atriz americana lhe acolheu. Favorita ao Oscar de atriz coadjuvante, Zoe chegou a dizer recentemente que estava digerindo tudo o que ficou sabendo e que “não concordava” com o que a colega havia escrito nas redes. Karla encerrou dizendo que, se fosse racista, não teria feito um filme com Zoe.
A culpa é sempre do outro
Karla se manteve na defensiva o tempo todo. Quando foi questionada pelo jornalista se ela seria vítima da própria soberba, ela afirmou que essa postura é comum a alguém que passou a vida inteira tendo que se defender, por causa de sua transição de gênero. Faz sentido, mas seu modo altivo atrapalhou e muito seu mea culpa. Em nenhum momento ela disse com todas as letras “eu errei, não deveria ter feito isso”. Porém, insistiu que está sendo perseguida. “Há uma perseguição. Há alguém, algo ou um grupo de pessoas que não deseja que eu tenha voz e é contra o que eu represento, que é a liberdade, a paz e o amor.” Quando o apresentador perguntou quem seria essa pessoa, ela respondeu: “não é exatamente uma pessoa, é um grupo”, disse, antes de sugerir que seriam grupos religiosos, de ultradireita e feministas extremistas. “Seja quem estiver fazendo isso, eu te perdoo por todo o dano que me fez”, disse ela, aos prantos.
Confira abaixo o vídeo completo da entrevista: