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Onde nasce a inovação: o movimento do setor privado para o avanço tecnológico

Em sua unidade próxima à Avenida Paulista, em São Paulo, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz mantém desde 2019 um Centro Internacional de Pesquisa. O núcleo emprega cinquenta pesquisadores, que trabalham de forma coordenada com profissionais de outras áreas da rede. Ao todo, são 115 médicos envolvidos em 152 projetos de pesquisa em andamento, além de outros 118 em prospecção. A rede de conexões alcança 200 hospitais do Brasil e centros de ciência médica de mais de cinquenta países. A iniciativa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz exemplifica um movimento crescente no setor privado brasileiro: a criação de centros próprios de pesquisa e desenvolvimento (P&D). De acordo com José Marcelo de Oliveira, presidente do Oswaldo Cruz, essa área é fundamental para avançar em quatro aspectos essenciais ao negócio: eficiência, qualidade e segurança, experiência do paciente e excelência no cuidado. “Um pilar de pesquisa forte atrai bons profissionais, e assim conseguimos servir melhor às pessoas que confiam sua vida ao hospital. É um ciclo virtuoso”, afirma Oliveira.

A movimentação do setor privado reflete uma transformação no ecossistema de P&D brasileiro. O consultor de inovação Valter Pieracciani apresenta alguns dados comparativos: o Brasil possui 248 centros de pesquisa, dos quais apenas dez são exclusivamente privados. Em outros países do levantamento, a proporção de centros de P&D privados é maior: a China conta com 1 176 centros (89 privados), e os Estados Unidos somam 1 086 (86 privados). Embora as universidades ainda predominem — com 166 instalações no Brasil —, o setor privado tem avançado, impulsionado sobretudo por incentivos fiscais, autonomia para direcionar projetos e capacidade de atrair talentos técnicos e científicos. “Nos últimos anos, líderes corporativos de diferentes setores têm identificado os benefícios de investir em centros próprios de inovação”, observa Pie­raccia­ni. Esse movimento se confirma também no Brasil. “O país tem se mostrado competitivo e conseguido atrair centros de corporações multinacionais que poderiam ter escolhido outros locais, como a Índia ou países do Leste Europeu.”

João Sato, do Venturus: o instituto autônomo atua em computação quântica e IA
João Sato, do Venturus: o instituto autônomo atua em computação quântica e IA./Divulgação

As vantagens de criar e manter instalações próprias incluem a capacidade de desenvolver pesquisas focadas nas necessidades específicas da empresa e de seus clientes, além da possibilidade de criar novos ativos que podem gerar royalties e desenvolver soluções comercializáveis para outras companhias. O investimento também contribui para atrair pesquisadores e fortalecer a reputação das empresas no mercado.

A autonomia dos centros próprios de P&D tem permitido avanços em inovação empresarial. No setor de tecnologia, o Venturus é um desses casos. Fundado em 1995 como um braço de pesquisa da sueca Ericsson chamado Informat, o centro começou focado em telecomunicações, contribuindo para o desenvolvimento de tecnologias que revolucionaram a telefonia móvel, como TDMA, CDMA e GSM. Participou também do desenvolvimento do sistema Android no Brasil. De 2005 em diante o centro de P&D ganhou autonomia, com o nome de Venturus, e passou a expandir sua atuação, atendendo a mais empresas e frentes de inovação.

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Oliveira, presidente do Hospital Oswaldo Cruz: pesquisa forte atrai talentos
Oliveira, presidente do Hospital Oswaldo Cruz: pesquisa forte atrai talentosKeiny Andrade/.

Hoje com quase 900 funcionários distribuídos entre Campinas, Manaus e Atlanta, nos Estados Unidos, e um orçamento anual de 250 milhões de reais, o instituto sem fins lucrativos atua em três áreas principais: inteligência artificial, quantum (pesquisas em criptografia e algoritmos inspirados em computação quântica) e blockchain (pesquisas em moedas digitais de bancos centrais). “Desenvolvemos tecnologias que impactam o cotidiano com soluções para maquininhas de cartão, smartphones, exames médicos como ressonância e tomografia, pedágios rodoviários, automação industrial e agronegócio”, diz João Sato, diretor-geral do Venturus.

No setor farmacêutico, o laboratório brasileiro Aché destina 6% de sua receita líquida anual a pesquisa, o que deve totalizar cerca de 400 milhões de reais em investimentos em 2025. Em seus sete centros de P&D, todos localizados em Guarulhos, na Grande São Paulo, mais de 500 profissionais exploram fronteiras da ciência, da nanotecnologia ao desenvolvimento de medicamentos oncológicos. Entre os resultados recentes está a criação de um anti-­inflamatório em spray e medicamentos que dispensam água para ingestão. “Nosso foco é transformar ciência em soluções que melhorem a vida das pessoas”, afirma Edson Bernes, diretor de pesquisa, inovação e novas tecnologias do Aché.

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Quando o assunto é energia e sustentabilidade, a WEG desponta como um exemplo de multinacional brasileira que está apostando em tecnologias geradas internamente. Conhecida pela produção de motores, equipamentos industriais e soluções de energia, a empresa catarinense investiu 832 milhões de reais em pesquisa só em 2023 (os dados de 2024 ainda não foram fechados). São 632 projetos simultâneos, que incluem o maior aerogerador já fabricado no Brasil, com capacidade de 7 megawatts — vai ser instalado em um complexo eólico na Bahia —, além de motores elétricos de alta eficiência e sistemas de mobilidade elétrica. Com 2 647 pesquisadores, a WEG adota uma estrutura descentralizada, permitindo que cada unidade de negócios desenvolva soluções específicas para seus mercados. “As atividades de pesquisa e inovação são importantes para nossa eficiência operacional”, diz Sebastião Lauro Nau, gerente de inovação tecnológica da WEG. “Elas contribuem para aprimorar os processos produtivos e reduzir custos industriais.”

A busca por eficiência e o foco estratégico se manifestam de maneira distinta em cada setor. No Hospital Oswaldo Cruz, as pesquisas se concentram em áreas críticas como oncologia, cardiologia e saúde populacional, com a mira em demandas específicas da população brasileira. “Atuamos em áreas estratégicas, considerando três características em especial: condições clínicas prevalentes, alto risco para a saúde e alto grau de complexidade”, afirma o diretor do centro, o cardiologista Álvaro Avezum. Um dos principais projetos em andamento é o CV-Genes, um estudo com 3 734 pacientes de quarenta centros médicos nas cinco regiões do Brasil, realizado em parceria com o Grupo Fleury e o Ministério da Saúde. A pesquisa investiga principalmente fatores genéticos associados a doenças cardiovasculares em diferentes localidades do país, com o objetivo de gerar conhecimento que melhore a experiência do paciente e a qualidade do cuidado.

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Bernes, do laboratório Aché: a empresa destina 6% de sua receita a pesquisa
Bernes, do laboratório Aché: a empresa destina 6% de sua receita a pesquisa./Divulgação

Os centros próprios de P&D geram benefícios além dos produtos e soluções desenvolvidos. Eles contribuem para a reputação das empresas em seus setores e atraem profissionais qualificados. Para Oliveira, presidente do Oswaldo Cruz, um ponto fundamental é direcionar os esforços e os investimentos. “Todas as empresas se sentem obrigadas a inovar, mas existe o risco de fazer escolhas que não estão alinhadas com a estratégia”, diz. “O resultado é desperdício de tempo e de recursos.”

Apesar dos desafios de gestão, a perspectiva é de crescimento do número de centros privados de pesquisa e desenvolvimento, aponta Pieracciani, ele mesmo envolvido na criação de novas dessas instalações. “Há muito espaço para crescer, especialmente em tecnologia e soluções inovadoras em serviços ao consumidor”, afirma o consultor. “A engenharia nacional sempre foi competente. Agora se tornou financeiramente atraente.”

Publicado em VEJA, janeiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 10

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