Paris, junho de 1940. As tropas alemãs marcham triunfantes pela Avenida Champs-Élysées. Turistando pela cidade, Adolf Hitler visita o Arco do Triunfo, o túmulo de Napoleão e a Torre Eiffel. Os oficiais nazistas que iriam comandar a França capitulada escolhem onde morar: o luxuoso Hotel Ritz. Os hóspedes são movidos para os fundos do prédio e os nazistas ficam com os quartos da frente, com vista para a bela Place Vendôme. No comando do bar do hotel está um profissional àquela altura afamado por seus drinques inovadores: Frank Meier. Alemão era sua língua materna, e isso ajudou-o a conquistar a confiança e a simpatia dos nazistas. Mal sabiam eles que Meier mantinha segredos periclitantes: ele era um judeu austríaco naturalizado francês — e mais: atuava como espião na Resistência local, conseguindo documentos falsos para salvar outros judeus e tendo tido até um pequeno papel no malfadado plano para assassinar Hitler, levado a cabo por oficiais alemães descontentes com a política racial nazista.
Sim, o espetacular drama real de Meier daria um bom livro. E deu: O Barman do Ritz de Paris marca a estreia literária do historiador francês Philippe Collin. Especializado na Ocupação alemã na Segunda Guerra, Collin incorpora elementos verídicos à narrativa ficcional. Ágil e com muitos momentos de tensão, o livro que chega ao país pela editora Record resgata as aventuras do singular barman na França oprimida pelos alemães.
Quando morou em Nova York, Meier aprendeu a arte de misturar gelo com ingredientes aromáticos e etílicos para fazer drinques. De volta a Paris, encantou a clientela do hotel com suas criações, suas tiradas bem-humoradas e inteligência. Joséphine Baker, Scott Fitzgerald, Jean Cocteau, Coco Chanel, Cole Porter e Ernest Hemingway foram algumas das pessoas que Meier teve o privilégio de servir. Durante a carestia da Ocupação, nunca faltaram boas bebidas no bar do Ritz, que virou ponto de encontro de nazistas graduados como Hermann Göring, comandante da Luftwaffe, colaboracionistas franceses e enigmáticas mulheres bonitas.
O livro do francês Collin reforça um fenômeno admirável: às vésperas de se completarem oitenta anos do final da Segunda Guerra, no próximo dia 2 de setembro, o conflito mundial continua a ser um manancial inesgotável de boas histórias e personagens inspiradores que servem de exemplo e alerta sobre os perigos da opressão. Se a literatura, o cinema e a TV já esquadrinharam as grandes batalhas e os líderes cruciais, de Hitler a Churchill, nos últimos tempos ganharam projeção os personagens anônimos e quase sempre solitários que ficaram célebres por sua tragédia, heroísmo e capacidade de resistência. Um filão que tem como figura hors concours, claro, a garota Anne Frank e seu comovente diário, até hoje best-seller absoluto. Ou que, no cinema, rendeu um monumento como A Lista de Schindler (1993), filme em que Steven Spielberg reconta a história de heroísmo de um industrial alemão que salvou centenas de judeus.
Agora, outros personagens pedem passagem. A história de mais uma coadjuvante pouco conhecida da Segunda Guerra é tema do livro A Dama da Morte (Bertrand Brasil), da americana Kate Quinn. Também misturando ficção e realidade, Quinn narra a trajetória da jovem oficial ucraniana Lyudmila Pavlichenko. Quando a guerra terminou, Pavlichenko tinha menos de 30 anos e 309 mortes no currículo de atiradora de elite, segundo os russos. Há historiadores que questionam esse número, mas ela existiu e atirava muito bem. Ainda que alguns possam torcer o nariz por não se tratar de alta literatura, Quinn é frequentadora assídua da lista de best-sellers do New York Times e sabe entreter leitores com boas histórias.
O streaming também explora com força a tendência. No final de 2024, a Netflix lançou o filme Número 24, sobre um pacato analista contábil norueguês, Gunnar Sønsteby, que se torna líder da pouco conhecida resistência local aos 22 anos. Sønsteby participou de diversas ações que culminaram na destruição de barcos, aviões e fábricas nazistas. Também em dezembro, o Prime Video lançou Guerra sem Regras, com direção do badalado Guy Ritchie e o bonitão Henry Cavill na pele de Gus March-Phillipps, líder de um pequeno grupo de elite criado por Churchill, tão secreto que nem os Aliados sabiam que existia. Seus feitos — entre eles o furto de dois navios nazistas — serviram de inspiração para Ian Fleming criar um espião que viria a ser mais famoso que March-Phillipps: James Bond, o 007.
Best-seller na França, O Barman do Ritz de Paris é candidato natural a uma adaptação cinematográfica pop, fomentando ainda mais o movimento. Redescobertos, esses personagens quase anônimos que sobreviveram ou perderam a vida lutando contra o nazismo dão novos contornos à Segunda Guerra, tornando-a mais próxima das pessoas comuns. O barman e a sniper ucraniana não comandaram tropas nem lideraram nações. Como figuras laterais da história, fizeram o que lhes pareceu certo: resistir. Longa vida a esses heróis improváveis.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929