No último fim de semana, os Estados Unidos e a Colômbia protagonizaram um embate diplomático que ilustra o tom que a gestão de Donald Trump pode adotar nos próximos quatro anos. O republicano ameaçou impor tarifas de 25% sobre os produtos colombianos se o país não aceitasse a deportação de seus migrantes. Sob pressão, a Colômbia cedeu, mas o episódio revela a disposição de Trump em utilizar a ameaça de guerras comerciais como uma ferramenta política. A América Latina, em especial o Brasil, pode se tornar um alvo semelhante — e, ironicamente, o maior prejudicado com essa abordagem pode ser o próprio consumidor americano.
Em tempos de inflação alta nos EUA, uma guerra comercial com os países latino-americanos teria efeitos devastadores. Qualquer imposição de tarifas sobre produtos brasileiros, por exemplo, não só reduziria as exportações para os Estados Unidos como também aumentaria os preços por lá. A combinação de custos mais altos e oferta limitada pressionaria ainda mais a inflação, especialmente em setores onde o Brasil desempenha um papel crucial.
O Brasil, segundo maior parceiro comercial dos EUA, atrás apenas da China, é vital para o equilíbrio da balança comercial americana. Em 2024, as exportações brasileiras para os EUA cresceram 9,2%, atingindo US$ 40,33 bilhões, enquanto o volume de comércio entre os dois países alcançou US$ 80,91 bilhões, o segundo maior valor da história, apenas atrás de 2022. A relação comercial não se resume a números; ela impacta diretamente a vida do consumidor americano.
Entre os principais produtos brasileiros exportados para os EUA estão itens essenciais como petróleo bruto, aeronaves, carne bovina e café não torrado. Em 2024, houve um crescimento expressivo no valor dessas exportações: petróleo bruto (+23,1%), aeronaves (+36,2%) e café (+67,6%). A indústria de transformação, que responde por 78,3% do total exportado pelo Brasil, e a agropecuária, que cresceu 1,1% em relação a 2023, são setores chave que poderiam ser impactados por qualquer tarifa imposta.
A crescente demanda americana por carne bovina, impulsionada pela queda no abate de bovinos devido à seca no Meio-Oeste, é um exemplo claro de como os EUA dependem de produtos brasileiros. Em 2024, o Brasil exportou US$ 943 milhões em carne bovina para os EUA, tornando-se o décimo produto mais exportado. Sem esse abastecimento, a escassez no mercado americano poderia elevar significativamente os preços.
Da mesma forma, o petróleo bruto brasileiro, que liderou as exportações para os EUA em 2024, é crucial para os americanos em meio à volatilidade dos preços globais de energia. O aumento de 23,1% nas vendas de petróleo bruto mostra como o Brasil ajuda a estabilizar a oferta no mercado americano. Qualquer tarifação sobre o petróleo brasileiro aumentaria diretamente o custo dos combustíveis nos Estados Unidos.
A lista dos produtos brasileiros exportados aos EUA inclui também suco de frutas e vegetais (+30,3%) e celulose (+26,7%), ambos amplamente utilizados em indústrias de alimentos e embalagens. A imposição de tarifas, no entanto, aumentaria o preço desses produtos para o consumidor americano, indo contra os esforço do banco central americano, o Federal Reserve (Fed) de ancorar a inflaçao de 2,9% à meta de 2%. As declarações de Trump de “forçar” o Fed a reduzir juros aumenta ainda mais o temor de um descontrole de preços em um momento em que sua política portecionista ameaça um desequilíbrio.
A imposição de uma tarifa de 25% sobre os produtos brasileiros, como a que Trump ameaçou aplicar à Colômbia, poderia resultar em uma espiral inflacionária ainda mais intensa nos EUA. Isso contraria o próprio discurso de Trump, que afirma que os americanos “não precisam” de produtos latino-americanos. Os números, no entanto, mostram o oposto.
Em um cenário em que a política comercial se torna uma ferramenta de pressão diplomática, é essencial que os EUA considerem as ramificações econômicas internas de suas ações. Uma guerra comercial com o Brasil, um parceiro estratégico em setores chave como energia e alimentos, teria efeitos contraproducentes para os americanos, elevando preços e intensificando a inflação — exatamente o oposto do que a gestão Trump pretende alcançar com suas bravatas comerciais.