A bolsa Birkin, lançada em 1984 pela grife francesa Hermès, é um trunfo do design e da engenhosidade humanas — nem tão grande que pareça um trambolho, nem tão pequena que seja inútil. Elaborada de modo artesanal, peça a peça, é vendida a partir de 11 000 dólares, o equivalente a 67 000 reais. É um ícone cultural do luxo. Nos últimos dias, uma delas ganhou destaque renovado, mas pela porta dos fundos. Uma imitação perfeita, vendida pelo site da rede americana de supermercados Walmart a meros 80 dólares, virou sucesso instantâneo. A “Wirkin”, como foi apelidada, com a troca do “B” pelo “W” da gigante do varejo, esgotou com apoio de influenciadoras no TikTok.
Deu-se, de imediato, imenso barulho. Afinal, toda cópia precisa ser rechaçada, por navegar no mar da contravenção. É crime. Ponto. Contudo, o fenômeno de interesse por produtos fake, que não para de crescer, anda numa zona cinzenta entre o carbono descarado e a inspiração criativa. A brincadeira tem nome: dupe economy, a partir da abreviação de duplicate (duplicado, em inglês), ou então de to dupe, enganar. É uma prática de jovens consumidores, atraídos por versões mais acessíveis — e às favas os dilemas do que é real ou não. Um pequeno detalhe aqui, outro ali, ao assegurar diferença, é caminho para escapar de processos. Resultado: por força dos viciantes vídeos curtos e com a popularização dos sites de compra chineses, a compra do que não é lá genuíno virou comportamento amplamente aceito e até celebrado. “No mundo digital, é possível construir personagens, narrativas e ganhar fama parecendo ser algo que não é”, diz Maya Mattiazzo, professora do Hub de Luxo da ESPM, de São Paulo.
Os adeptos da onda equilibram-se na corda bamba, mas sabem como não ir ao chão. O setor de relógios é terreno didático para entender os humores. Há os modelos pirateados, que tentam replicar o logo das fabricantes suíças, com o objetivo de iludir o consumidor desavisado. Esses são reprovados pela comunidade de aficionados. Mas há os chamados “homage”, de homenagem, inspirados em itens seletos. Nenhum exemplo é mais claro que o Submariner, lançado pela Rolex em 1953. Tornou-se sinônimo de objeto de mergulho e rendeu milhares de versões, de modelos simples a alternativas de alta gama. A bolsa Wirkin, insista-se, é dessa linha de “homage”.
No Brasil, 68% da população consome produtos inspirados em marcas famosas, segundo dados da Circana, empresa global de análises de comportamento de consumo. O número é ainda mais expressivo entre as novas gerações: mais de 85% dos millennials, de 30 e poucos anos, e da geração Z, em torno dos 20, entraram na dança. Dá-se a busca em decorrência de um paradoxo que mantém o negócio vivo. Um estudo da consultoria Morning Consult constatou que as imitações podem beneficiar tanto as marcas originais (e por isso elas fazem vista grossa) quanto as que criam os dupes. O segredo: a xerox desmedida alimenta a percepção de desejo, oxigênio para as grifes mais celebradas. Mas, insista-se com veemência: pode ser bacana, sim, mas há sobeja contrafação ao sonhar com a pirataria, apesar de supostas atenuantes.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928