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Populares em extinção: alternativas acessíveis de carros tornam-se raridade

Houve um tempo, não tão distante, em que a maior parte do volume de vendas do mercado automotivo brasileiro era composta dos chamados “carros populares”. Os modelos mais simples, sem tantos recursos tecnológicos, mas com preço atrativo, projetados para atender às necessidades da população de ir e vir, desenhavam a paisagem urbana. Há dez anos, o Fiat Palio Fire, modelo mais vendido em 2014, custava na época 24 000 reais, o equivalente a 45 000 reais (em valores corrigidos). Hoje, a situação é completamente diferente. O preço médio dos veículos ultrapassou o patamar de 150 000 reais no ano passado. A picape Strada, da Fiat, a mais vendida em 2024, começa em 108 000 reais. Na segunda posição, o Polo Track, da Volkswagen, custa 93 000 reais.

arte carros

Uma série de elementos ajuda a explicar a transformação dos populares em dinossauros do mercado automotivo do país. De um lado, há um inegável avanço tecnológico, que cobra um preço. Os carros hoje são mais seguros, com muito mais tecnologia a bordo, de telas com GPS e conexão com smartphones a sistemas que ajudam o condutor a frear em emergências. Os motores são mais modernos, projetados para atender às mudanças na legislação ambiental. O dólar alto também é um fator relevante. “A desvalorização do real afeta o preço dos carros importados, mas também a produção local, pois os veículos são feitos com commodities cotadas na moeda americana”, diz o consultor automotivo Milad Kalume Neto. Na época da pandemia, a falta global de semicondutores, usados na fabricação de inúmeros produtos, ensinou as montadoras a faturar mais produzindo menos. Assim, a febre dos SUVs, os parrudos utilitários vistos como produtos de maior valor agregado, ganhou tração. Custam mais caro e dão lucro muito maior aos fabricantes do que modelos mais simples.

Com isso, carros mais acessíveis estão sumindo das linhas de montagem. Poucos são vendidos abaixo dos 90 000 reais, valor equivalente a sessenta salários mínimos. Os remanescentes pertencem à categoria dos subcompactos, como o Fiat Mobi e o Renault Kwid, ambos na faixa dos 76 000 reais. São unidades bem simples, com alguns equipamentos de série, mas que naturalmente perdem elementos como o acabamento interno caprichado, a performance e o espaço do porta-malas. Há ainda, é verdade, na categoria dos hatchbacks, os compactos, como o Citroën C3 e o Fiat Argo. Foram os mais populares do mercado por muito tempo, mas perderam espaço para os SUVs.

SUBCOMPACTO - Renault Kwid: outro dos pequenos ainda tido como “barato”
SUBCOMPACTO - Renault Kwid: outro dos pequenos ainda tido como “barato”Renault/Divulgação
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Foi o fim de um longo reinado. Durante 27 anos, o Gol, graças em boa parte às suas versões mais baratas, liderou as vendas no país. O Uno, da Fiat, com motorização 1.0, também foi um sucesso duradouro. A procura enorme por esses modelos levou a indústria a aperfeiçoar a tecnologia daqueles propulsores de cilindrada modesta. Mesmo assim, em algumas situações, diante de uma ladeira mais íngreme, muitos motoristas tinham que desligar o ar-condicionado para o carrinho engrenar na subida. Outra característica marcante dos modelos era o acabamento interno, absolutamente espartano, cheio de material plástico em nome da economia na linha de montagem.

No auge da onda popular, até o velho Fusca acabou sendo ressuscitado pelas mãos do então presidente Itamar Franco, em 1993. Um dos últimos suspiros dessa categoria de automóveis ocorreu em 2023, quando Lula, na atual gestão, reduziu os impostos para modelos que custavam até 120 000 reais. A iniciativa deu algum fôlego à indústria na partida, mas se mostrou inviável a longo prazo. Com o fim dos incentivos, os preços voltaram a subir, e os modelos mais procurados sofrem reajustes frequentes.

FOMENTO - Linha de produção do Fusca: em 1993, modelo ganhou incentivos
FOMENTO - Linha de produção do Fusca: em 1993, modelo ganhou incentivosVolkswagen/Divulgação
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A roda-viva não dá nenhum sinal de estancar tão cedo. “Com o dólar na casa dos 5 reais, estava se abrindo uma janela para posicionamento de veículos um pouco mais baratos”, afirma Kalume Neto. “Agora, com a moeda no patamar dos 6 reais, não vejo possibilidade de redução de valores.” A ascensão e queda dos populares parece um capítulo na história da indústria automotiva que não terá direito a uma marcha a ré.

Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928

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