No canal do Oscar no YouTube, bandeirinhas verde-amarelas dominavam o chat de interações globais durante o anúncio dos indicados à 97ª edição do prêmio máximo do cinema, na última quinta-feira, 23. A plateia on-line não se decepcionou. O longa Ainda Estou Aqui conquistou a esperada indicação na categoria de filme internacional e entrou na acirrada disputa pela estatueta de atriz, com Fernanda Torres. Quando o brasileiro já se dava por satisfeito, a surpresa: a produção dirigida por Walter Salles abocanhou um lugar na principal categoria da festa, a de melhor filme. Um feito inédito: Ainda Estou Aqui é a primeira produção nacional a disputar o Oscar mais cobiçado. A melhor campanha do país no prêmio até hoje havia sido a de Cidade de Deus, que em 2004 esteve em quatro categorias: direção, roteiro adaptado, fotografia e edição. Em qualquer delas, o Brasil nunca trouxe um Oscar para casa. Agora, Ainda Estou Aqui se impõe como um nome respeitável na disputa.
A celebração com cara de vitória suada na semifinal da Copa do Mundo não é para menos. Ver a consagração de uma produção feita no Brasil, falada em português e que narra uma trama real tão cara à história do país é histórico. Numa era de autoritarismo em expansão no mundo, com reflexos no Brasil, como ficou claro na trama golpista de 2022, Ainda Estou Aqui apresenta com sensibilidade a jornada de Eunice Paiva após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva (no filme, Selton Mello), ser torturado e morto nos porões do regime militar em 1971, deixando um vazio na vida de Eunice e de seus cinco filhos — entre eles, Marcelo Rubens Paiva, autor do livro em que o filme se baseia. “Estou muito emocionada, muito surpresa”, disse Fernanda, impecável como Eunice na tela, após a indicação. A atriz não teve coragem de acompanhar o anúncio ao vivo: esperou alguém da família informar o resultado. “Amo o Brasil e estou muito orgulhosa de uma história brasileira fazer sentido no mundo”, festejou.
Apesar de azarão entre os dez selecionados para filme do ano — na disputa há pesos-pesados como O Brutalista, Conclave e Anora —, a presença da produção nacional na categoria eleva, e muito, as chances de vitória entre os filmes estrangeiros. Historicamente, sete dos nove títulos indicados tanto em melhor filme quanto internacional saíram vitoriosos nessa última categoria. A pedra no caminho do Brasil é o musical francês Emilia Pérez, que concorre em treze categorias no total, entre elas as mesmas três de Ainda Estou Aqui — a espanhola Karla Sofía Gascón, primeira mulher trans da história a concorrer ao Oscar, disputa o prêmio de atriz com Fernanda. A brasileira, porém, está bem na foto. A vitória no Globo de Ouro lhe deu ampla visibilidade — e o engajamento dos brasileiros nas redes sociais fez com que seu rosto ganhasse mais espaço em publicações gringas. A principal rival de Fernanda é Demi Moore, que levou o Globo de Ouro na categoria de comédia por A Substância. Mas até o dia 2 de março, quando as estatuetas serão entregues, muita água vai rolar. Emilia Pérez, por exemplo, vem perdendo força por polêmicas como o uso de inteligência artificial na voz de Karla Sofía — e o fato de o roteiro ser ambientado no México, mas contar com estrelas americanas e uma europeia no protagonismo.
Enquanto isso, o trio formado por Fernanda, Salles e Mello retorna ao trabalho duro de fazer campanha pelo prêmio. Estrategista, o cineasta carioca — em parceria com a distribuidora americana Sony Pictures Classics — mirou em duas frentes na busca pelas indicações. A primeira foi ligar o cenário ditatorial do Brasil nos anos 1970 com a ascensão da extrema direita no mundo, paralelo repetido por eles frequentemente em entrevistas; segundo, destacar as correspondências nas trajetórias de Fernanda Torres e sua mãe, Fernanda Montenegro. Em 1999, a dama do teatro e do cinema nacional foi a primeira brasileira indicada ao Oscar de atriz por Central do Brasil, também de Salles. Agora, Torres quebra um jejum de 26 anos para se tornar a segunda da história a representar o país na categoria. Seja qual for o resultado dessa final de disputa que por aqui ganhou clima de uma Copa do Mundo cinematográfica, Ainda Estou Aqui já venceu de goleada.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928