Já em sua posse, Donald Trump ameaçou impor tarifas de 25% sobre as exportações canadenses e mexicanas, nada menos que seus parceiros do USMCA (antigo Nafta). Ainda que não tenha, por ora, se manifestado sobre a China e demais países, acredito que passou da hora de acreditar que se trata apenas de “estratégia de negociação” para extrair concessões. Há um risco claro de reversão de integração comercial, que foi uma marca registrada dos últimos quarenta anos.
Trump parte da ideia, bastante popular também por estas bandas, que importar é algo negativo e que déficits comerciais são uma expressão de fraqueza do país. Nesse sentido, barreiras à importação são entendidas como instrumentos de defesa contra a invasão de produtos importados e proteção (tipicamente) à indústria local. Bom, se tarifas e demais barreiras ao comércio internacional promovessem o crescimento, o Brasil seria uma das economias mais dinâmicas do planeta, o que, como sabemos, não é exatamente verdade.
“Se barreiras promovessem o crescimento, o Brasil seria uma das economias mais dinâmicas”
Tomemos o caso da economia americana. Em particular, ela opera, já há algum tempo, muito perto do pleno emprego, registrando no período mais recente taxas de desemprego na casa de 4%, depois de terem atingido níveis ainda menores, ao redor de 3,5%. A imposição de tarifas deve encarecer os produtos importados e favorecer a produção local. Não há, todavia, mão de obra ociosa. Pelo contrário, há mais vagas em aberto nas empresas do que pessoas desempregadas. Assim, para aumentar a produção dos bens que eram importados, será necessário deslocar trabalhadores de seus atuais postos. O aumento da produção desses bens requer redução da produção de outros. No entanto, se, na ausência de tarifas, os trabalhadores já se encontravam em outros setores, deve haver um motivo para isso, na verdade bastante simples: a produtividade desses trabalhadores tem de ser mais elevada do que seria se estivessem empregados nos setores que competem com as importações.
Ao promover o deslocamento para setores que substituem os importados, a produtividade média da economia tende a cair. Não deveria soar como uma revelação: há dois séculos esse fenômeno é conhecido, ou deveria ser, sob o nome de “vantagens comparativas”. Hoje, o produto por hora trabalhada nos EUA cresce ao ritmo de 2,5% ao ano. Tarifas mais altas ameaçam precisamente esse processo. Se o produto por hora trabalhada cresce menos, ou mesmo cai, a capacidade de crescimento da economia também perde fôlego. Somam-se assim dois impactos negativos sobre a inflação: o efeito direto do aumento dos preços de produtos importados e, mais à frente, uma menor capacidade para absorver a expansão da demanda. O primeiro é mais forte, mas pode se dissipar; o segundo deve requerer juros mais altos para alinhar o aumento da demanda ao ritmo (menor) de crescimento da oferta.
Há outros efeitos negativos, mas vale a pena mencionar um em especial. Dificilmente a ação americana ficará sem resposta, ainda mais dados os instintos protecionistas de vários países. Vale dizer, provavelmente haverá retaliação, replicando, em outros lugares, a dinâmica acima descrita. A globalização nos ofereceu a oportunidade de forte crescimento com inflação baixa. As folias protecionistas põem em risco esse desenvolvimento como jamais visto.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928