Sem sorte, não se chupa nem um Chicabon, dizia Nelson Rodrigues. Já eu diria que é uma sorte, de fato, poder de vez em quando se refrescar com um sorvete. Mas, quando nos aproximamos de um carrinho de picolé na praia (tarefa infalível, sobretudo se houver criança por perto), não pensamos nas muitas voltas que o sorvete deu até desembocar nas nossas areias escaldantes.
Esse prazer hoje tão comum nasceu há quatro milênios, na China, como uma sobremesa congelada de leite e arroz. Era iguaria de nobres, como aliás também acontecia na Roma Antiga: diz-se que Nero mandava buscar neve no Etna para misturá-la com frutas e mel. Nos vaivéns da história, o veneziano Marco Polo trouxe, do berço original do doce, novas receitas geladas que se espalharam pela elite de seu país. Foi a também italiana Catarina de Médicis quem introduziu o sorvete na corte francesa, ao se casar com Henrique 2º.
Ao longo dos séculos, o sorvete se diversificou e popularizou. Gelatos densos e leves sorbets ganharam as ruas. No século 19, o gosto se revolucionou, com o invento de máquinas capazes de produzir em escala a variante mais comum, a de massa, servida em cones ou taças.
Foi por esses idos que ele desembarcou no Brasil. Na verdade, o que aportou foram 217 toneladas de gelo, a bordo do navio americano Madagascar, atracado no Rio em agosto de 1834. A carga deu origem à primeira sorveteria do país. A sobremesa que queimava de tão fria não agradou a todos, mas conquistou na corte um importante fã, o pequeno Pedro 2º.
A versão industrializada só chegou ao Brasil mais de cem anos depois, vinda, veja só, da China. Em 1941, um fabricante americano estabelecido em Xangai, fugindo da guerra com o Japão, veio dar no Rio. Em pouco tempo, a paisagem se viu pontuada pelos carrinhos azuis e amarelos da Kibon. E, com a popularização das geladeiras domésticas, as latas da marca passaram a fazer parte dos almoços de família.
O sorvete pode até ser um negócio da China, mas se aclimatou muito bem por aqui, graças ao calor e à fartura de sabores tropicais. Como toda sobremesa, o sorvete é calórico. Mas dá para pensar em versões mais inocentes para a dieta. Iogurte light com frutas congelado em forminhas de picolé, ou mesmo manga ou banana levadas ao freezer e batidas puras são opções bem menos proibitivas.
É quase impossível encontrar quem não goste de ao menos uma de suas tantas variantes. Talvez para justificar esse deleite universal, anos atrás japoneses estudaram o efeito de seu consumo. Concluíram que, tomado de manhã, o sorvete ajudava a pensar melhor. O choque do frio causava um pico de atividade das ondas alfa, responsáveis pela concentração. Os cientistas até repetiram o teste com água gelada, mas não deu tão certo.
Associado como é às atividades típicas da estação, o sorvete é o sabor do pôr do sol, do passeio na brisa morna da tarde. Para muitos, é a felicidade congelada. Então, faça bom proveito. Em uma pausa depois de nadar ou andar de bicicleta, do vôlei ou do frescobol, pode ir buscar aquele picolé do começo do texto sem culpa.