Um estudo divulgado nesta terça-feira, 14, por um grupo internacional de especialistas sugere uma reformulação no diagnóstico para obesidade. A revisão visa abandonar as determinações que levam em conta apenas o índice de massa corporal (IMC) e incorpora duas novas classificações clínicas para a condição.
O documento foi publicado no periódico científico The Lancet Diabetes & Endocrinology pela Comissão Sobre Obesidade Clínica e é endossado por 75 organizações médicas ao redor do mundo. “O IMC é um número triador da obesidade, mas ele não faz nenhum diagnóstico”, explica a VEJA Ricardo Cohen, coautor do artigo, chefe do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos.
Isso acontece porque o IMC leva em consideração apenas o peso e a altura, medindo a corpulência do indivíduo. Com base apenas nele, uma pessoa muito forte, por exemplo, poderia ser diagnosticada com obesidade ou sobrepeso. Os problemas reais, contudo, estão mais relacionados ao excesso de gordura corporal, algo que não é levado em consideração nessa medida isolada.
O que muda no diagnóstico de obesidade?
A ideia é que o diagnóstico dessa condição passe a ser mais detalhado. A proposta é a seguinte: pelo menos uma medida de gordura corporal – como alta circunferência abdominal em relação a medida do quadril ou da altura – deve ser levada em conta, junto do IMC, para determinar se o indivíduo tem ou não obesidade. Pessoas com IMC maior que 40 kg/m² ou com medição direta da gordura corporal feita por densitometria óssea não precisarão de avaliações complementares.
Além dessa determinação, o trabalho recomenda o abandono de classificações como sobrepeso ou obesidade mórbida e a adoção de duas novas categorias: obesidade pré-clínica e obesidade clínica. “Na pré-clínica, o paciente tem obesidade, mas ele não tem disfunções, sinais e sintomas; na clínica, ele tem pelo menos um outro sintoma relacionado ao excesso de gordura”, diz Cohen.
Para fazer essa definição, os médicos levarão em consideração 18 critérios diagnósticos (como falta de ar, insuficiência cardíaca e rigidez articular) no caso dos adultos e 13 no caso de crianças ou adolescentes. Essa medida deve diminuir o estigma associado à obesidade, possibilitar a personalização do diagnóstico e do tratamento, além de ajudar sistemas públicos e privados a entender quem precisa de atendimento prioritário.
A mudança é considerada bem-vinda. “Na população e entre profissionais de saúde, ainda há uma ideia de que a obesidade é uma questão de escolha, como se emagrecer fosse uma decisão simples”, explica Paulo Miranda, coordenador da Comissão Internacional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “Quando se passa a ver a obesidade como uma doença crônica e complexa, é possível compreender que não é uma condição puramente comportamental e que ela envolve múltiplos fatores que devem ser considerados.”
É possível ser uma pessoa com obesidade e saudável?
Com as novas recomendações, a obesidade continuaria sendo considerada uma doença crônica, mas a complexificação do diagnóstico pode diminuir a ideia de que todas as pessoas com obesidade se enquadram numa mesma caixinha.
“Existem pessoas com obesidade que, apesar do excesso de adiposidade, por predisposição genética muitas vezes, mantêm hábitos de vida saudáveis como alimentação e realização de exercícios físicos”, diz Miranda. “Essas pessoas podem ter bons padrões metabólicos, cardiovasculares e respiratórios, mas elas devem ser acompanhadas por um profissional para não serem pegas de surpresa por condições relacionadas à obesidade.”
Justamente por isso, a recomendação é bem recebida pelos profissionais, mas Miranda alerta que ela não passa a valer imediatamente. A princípio, as sugestões estão de acordo com o que apontam as pesquisas mais recentes, mas, agora, essas diretrizes precisam ser avaliadas por entidades internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, mas que se defina a melhor maneira de fazer a transição entre as regras antigas e as recomendações mais atuais.