Ney Latorraca, ator que marcou as novelas e o teatro brasileiro, morreu nesta quinta-feira, 26, no Rio de Janeiro. Ele tinha 80 aos e estava internado na Clínica São Vicente, na Zona Sul carioca, para tratar as complicações de um câncer de próstata, mas não resistiu a o agravamento da doença e a uma sepse pulmonar.
Rosto incontornável da dramaturgia brasileira, Latorraca nasceu em Santos, no litoral paulista, em 26 de julho de 1944. Seus pais eram artistas musicais: o pai cantava como crooner em bares, e a mãe atuava num coral. Em 1964, na virada dos 20 anos, ele fez sua estreia numa montagem teatral escolar da peça Pluft, o Fantasminha. A montagem fez sucesso além dos muros colegiais, mas pouco depois Latorraca sofreu uma decepção que quase o fez desistir da carreira. Produção do Teatro Arena com direção do “maldito” Plínio Marcos, o espetáculo Reportagem de um Tempo Mau nem chegou a estrear, alvo da censura da ditadura militar em sua fase mais feroz. “Fiquei completamente arrasado, queria me matar. Voltei para Santos”, declarou ele mais tarde.
Latorraca, no entanto, logo deu a volta por cima — e, exibindo sempre grande talento e carisma, viveu uma ascensão irresistível nos anos seguintes. Graças, em especial, à sua chegada às novelas. Ele começou a atuar na extinta TV Tupi e estreou na Globo em 1975, na mítica Escalada de Lauro César Muniz, ao lado de Susana Vieira e Tarcísio Meira. Depois disso, viria a consagração com Estúpido Cupido, de 1976 — na qual marcou época como um divertido fã de Elvis Presley. Dentre diversos folhetins, destacou-se em Coração Alado (1980), ao lado de Vera Fischer, e especialmente na cultuada Vamp (1991), como o inesquecível vampiro Vlad.
Na maioria dessas tramas — ou no teatro, com a peça arrasa-quarteirão O Mistério de Irma Vap, ao lado de Marco Nanini, de imenso sucesso e que se manteve em cartaz por treze anos a partir de 1986 -, o traço definidor de Latorraca era a verve afiada. Sempre com um saboroso tom de ironia, ele exercitou essa grande qualidade de modo hilário num programa que inovou a comédia na tela da Globo, TV Pirata, também no final dos anos 1980. Latorraca arrancava riso com o personagem Barbosa, um velhinho confuso e assanhado — papel que hoje talvez entrasse na mira da correção política. Indiferente à censura moral, o artista nunca deixou de brilhar. Fará muita falta.